Por Hiordana Bustamante*

Se fizermos uma volta ao passado, compreenderemos que, apesar de o processo de migração sempre existir, suas condições, ao contrário do que seria lógico, estão cada vez mais difíceis. São muitas as  políticas restritivas que inúmeros países vêm adotando para violar o direito humano de ir e vir, o que por sua vez, dificulta ainda mais o processo para o migrante que tenta se adaptar longe de seu antigo lar.

Ao migrar a um outro país todos de alguma maneira experimentaremos o choque cultural. No entanto, é preciso diferenciar o choque de alguém que migra como turista ou em boas condições, daquele choque que sofre o migrante que procura melhores condições de trabalho, ou sua sobrevivência.

Existe uma primeira imagem de como será aquele pais ao qual pronto chegaremos e esta é construída a partir do que ouvimos falar ou do que pesquisamos acerca daquele local. Porém, na maioria das vezes, aquele lugar resulta muito mais distinto do que se havia imaginado.

É esta primeira experiência a responsável pelo surgimento de diversos novos sentimentos que o migrante experimentará com o transcorrer do tempo: medo, alegria, raiva, tristeza, dor etc., que se farão mais intensos dependendo da experiência vivenciada. E, embora em algumas pessoas esse choque possa ser mais intenso do que outras, não tem como ser evitado pois faz parte do processo normal de adaptação.

Quando migramos deixamos para atrás não só nosso país, família e amigos, mais também todas aquelas estruturas que orientavam a nossas vidas: tínhamos uma língua que nos permitia a comunicação com os outros, sabíamos como funcionava o meio de transporte, conhecíamos a nossa cidade, sabíamos as normas sociais ou leis do nosso país.

Na chegada ao outro lugar tudo isso é novidade: não entendemos o idioma, desconhecemos as leis, não sabemos nos locomover na cidade, nem fazer algo que era até então natural, como pegar um ônibus.

Na medida em que as diferenças sejam muito significativas, o choque cultural também será mais intenso e apenas será superado paulatinamente, na medida em que possamos nos adaptar ao novo pais. Adaptação que ocorrerá por etapas e com o passar dos dias, messes ou anos iremos nos sentir mais em casa. Alguns estudiosos das migrações identificam 5 fases deste processo de manifestação do choque cultural.

Num primeiro momento (Lua de mel) pode ser que o migrante sinta alegria e empolgação por estar em um novos país. Tudo parece muito lindo, ele faz novos amigos, conhecer o local, mas, à medida em que aparecem algumas dificuldades esse entusiasmo deixa de ser tão forte.

Num segundo momento (Rejeição) pode ser que experimente raiva, tristeza ou arrependimento por perceber que as coisas não são tão fáceis como imaginou. Não é tão simples achar trabalho, é preciso regularizar sua situação migratória – e isso demora um tempo, as habilidades ou a profissão adquirida tinha adquirido em seu pais, aqui não tem o mesmo valor, então, provavelmente terá que trabalhar em outra área diferente da qual se formou.

Soma-se a isso, a necessidade de aprender o novo idioma, a falta dos seus amigos e familiares. Questões que podem ser muito estressantes, ao ponto de deixá-lo triste e arrependido de ter saído de seu país.

Num terceiro momento (Aceitação) a superação da crise da fase anterior possibilita o amadurecimento e a fortaleza para enfrentar uma nova etapa. Ele já conseguiu apreender sobre a nova cultura, é capaz de se comunicar no novo idioma, entender como funcionam algumas coisas como o transporte público e outros serviços.

É o período em que ele conseguirá identificar suas limitações e possibilidades a partir da experiência migratória.

Na fase final esta a adaptação ou integração de fato e as coisas que antes pareciam muito complexas, serão agora mais simples de entender e executar. Mais adaptado, nada parecerá um desafio tão grande quanto no começo. A possibilidade de ter acesso a trabalho, educação, saúde, moradia etc. também contribuíram na sua adaptação a nova cultura.

Naturalmente, existe ainda uma quinta fase que poderá ser experimentada pelo migrante que  decide voltar para seu pais de origem.

Depois de ter passado pelas outras fases, e principalmente já fora da fase de rejeição, é possível que o migrante que retorna experimente o que se conhece como choque cultural reverso.

Ele precisará se readaptar, relembrando como era sua cultura e é provável que sinta tristeza, insegurança e desorientação. Podem existir ainda alguns conflitos com o migrante que passa a assumir condutas que aprendeu na outra cultura.

Raiva, tristeza, culpa, desesperação, solidão, insônia, dificuldade para se concentrar ou tomar decisões ou também problemas físicos como dores constantes de cabeça, dores nas costas, problemas digestivos ou problemas hormonais são resultados do estresse contínuo de ter que lidar com desafios como a experiência migratória.

Para combatê-los é muito importante que o migrante saiba que é possível ter ajuda  em instituições e coletivos de apoio voltados para esta questão, que oferecem informação e o cuidado de profissionais da saúde mental.

Procure ajuda! Se acostumar a uma nova cultura requer de tempo, paciência, dedicação e apoio. Algumas vezes é possível não se saber a qual cultura pertence e isso pode levar anos, até a adaptação ao novo pais.

 

*Hiordana Bustamante é imigrante boliviana e doutoranda em psiquiatria e psicologia médica na Unifesp em pesquisas relacionadas a migração e seu impacto na saúde mental.

**Edição – Aline Nogueira de Sá.

 

 

 

 

 

Contenidos bajo Licencia Creative Commons (Attribution 4.0)

CONTACTARNOS

Hola, escribir aquí su mensaje...

Enviando

Fazer login com suas credenciais

Esqueceu sua senha?